O home office nos obrigou a organizar melhor nosso tempo e criar processos para garantir um bom desempenho na vida pessoal e profissional. Se é verdade que muitas casas viraram espaços de trabalho nos últimos tempos, também é verdade que, nesse período, muitos profissionais viraram gestores.
Não estou me referindo necessariamente a uma promoção com mudança oficial de cargo, mas à transformação estimulada por demandas. Fora do escritório da empresa, longe das equipes e dentro de um contexto novo em que vida pessoal e profissional compartilham literalmente o mesmo espaço, nós nos enxergamos diante da necessidade de organizar melhor nosso tempo e de criar um processo para garantir um bom desempenho nessa nova realidade. E, aí, mesmo quem não tinha pretensões à liderança, foi “promovido” a uma função de gestão. Na verdade, de autogestão.
Eu sei, esse conceito já era valorizado em algumas empresas e atividades, só que, no cenário do anywhere office ou do trabalho híbrido, ele se tornou “requisito básico”. Entre aspas porque, como veremos adiante, a autogestão não é algo que se exige de uma pessoa e pronto. É necessário que exista um cenário favorável para o seu desenvolvimento coletivo – explicarei melhor essa ideia essa ideia daqui algumas linhas.
Bem, mas a habilidade de lidar com os objetivos da empresa e demandas da área de forma responsável, sem um chefe dando ordens o tempo todo, se tornou um tipo de item básico em 2020 por causa das necessidades apresentadas na nova realidade. É mais difícil sustentar o modelo do comando e controle no cenário em que cada colaborador se encontra em um lugar e o gestor não consegue mais ficar de olho em cada atividade realizada – ainda bem, porque esse estilo de liderança precisava urgentemente ser superado.
O estímulo ao trabalho autônomo focado no controle próprio da organização e da entrega de tarefas era o caminho viável para fazer esse esquema de trabalho à distância dar certo. Na verdade, ainda é e provavelmente será por muito tempo. Isso porque tornar a figura do chefe menos centralizadora, enquanto mais autonomia é dada às pessoas, atende muito melhor as demandas atuais de agilidade e de espírito de dono.
Tanto é assim que uma pesquisa recente da consultoria Mercer apontou a autogestão como a principal habilidade que ajudará os profissionais a prosperarem em um ambiente flexível e ágil. Dos 306 líderes de RH na América Latina entrevistados, 62% apontaram o autogerenciamento como competência crítica para a resiliência futura.
No entanto, como mencionei no começo, a autogestão não é uma ferramenta que se adquire e problema resolvido. Além de precisar ser ensinada, é uma habilidade que depende de um contexto favorável para ser colocada em prática. Em outras palavras: um profissional sozinho não conseguirá fazer o autogerenciamento se, do outro lado, tiver um chefe e/ou uma empresa muito apegada ao controle e preocupada com microgerenciamento.
Autogestão, veja bem, não é uma competência individual, mas uma característica coletiva. Ainda assim, acredito que é possível se preparar para estar mais alinhado com esse estilo e, um dia, trabalhar em uma equipe ou organização assim. Agora, se você já trabalha em um ambiente assim, melhor ainda! As dicas a seguir podem ajudar tanto quem quer migrar para um modelo de trabalho com maior liberdade, quem está em um lugar passando por essa transformação ou mesmo quem atua em uma empresa que tem o autogerenciamento como característica:
Tenha visão do todo: saber priorizar, organizar e reorganizar tarefas, escolher o que faz mais sentido em determinado momento têm a ver com um olhar mais amplo. Só quando conhecemos a empresa e a sua operação um pouco melhor, entendemos o que é importante para ela em um cenário, quais áreas serão impactadas por determinada ação, em quais projetos minhas atividades geram impacto… Enfim, para se organizar com maior autonomia e garantir um impacto positivo você precisa conhecer mais à fundo o universo no qual atua.
Não se isole: para conhecer mais a fundo a natureza do negócio, não basta acumular anos de empresa, você precisa se relacionar com as pessoas da sua área e de outras. Autonomia não significa autossuficiência. Então, vale a pena se voluntariar para participar de projetos com outras equipes, entrar em contato com colegas de funções diferentes para entender melhor um aspecto do trabalho e, mais do que isso, saber pedir ajuda.
Invista no coletivo: se autonomia não é igual a autossuficiência, também não é sinônimo de individualismo. Quem deseja aprender a trabalhar em um modelo de autogestão, precisa não só saber organizar as próprias atividades, mas entender em quais delas é necessário envolver outras pessoas. Fazer um autogerenciamento não significa que você terá que dar conta de tudo sozinho, mas, sim, que você tem que você tem maturidade para entender quais são as atividades prioritárias naquele momento, quais profissionais são essenciais para participar do processo e como essa entrega coletiva pode acontecer no prazo e com a qualidade desejada.
Desenvolva inteligência emocional: depois de ler isso tudo, provavelmente você já se deu conta de que a autogestão requer um nível grande de maturidade. Porém, lembre-se: ser maduro para saber cuidar dos seus afazeres, sem a necessidade de um chefe fazendo cobranças constantemente e determinando cada passo, não tem nada a ver com a idade. Essa é uma competência que uma pessoa mais nova pode adquirir de diversas formas, por exemplo, em um processo de mentoria.
O caminho para a autogestão envolve outros aspectos, mas acredito que os quatro passos acima representam uma parte importante da jornada. Se você terminar essa leitura entendendo que autogestão depende intimamente da noção de coletivo, já estará anos luz à frente de quem olha para esse conceito apenas em benefício próprio. Quem associa autogerenciamento com individualismo talvez ainda não tenha entendido que uma das grandes lições da pandemia é que pensar só em si definitivamente não nos leva a lugar algum.
Fonte: https://vocesa.abril.com.br/blog/sofia-esteves/como-desenvolver-a-tal-da-autogestao/