O dinheiro não deve ser o único motivo para sair de casa e ir trabalhar. Compreender o valor da profissão é o primeiro passo para se dar bem
O valor do propósito na carreira
Apesar de o trabalho ser remunerado, o dinheiro não deve ser o maior motivo de alguém sair todos os dias de casa para trabalhar. É muito mais eficiente se a pessoa se identifica com o que faz e, por isso, executa até mais do que o exigido. Líderes têm papel crucial em fazer os subordinados encontrarem esse objetivo, mas também não são, sozinhos, responsáveis pela motivação de ninguém: profissionais precisam achar o que os move
Você já se sentiu desmotivado antes de encarar a jornada de trabalho? Ou levantou, olhou-se no espelho e quis imediatamente voltar para a cama? E, mesmo com um imenso desânimo, precisou lavar o rosto, respirar fundo e ir trabalhar? Existem boletos para pagar; às vezes, uma família para alimentar… Apesar de todo serviço para trazer remuneração, está mais do que comprovado que só o salário não basta para ter motivação, mesmo para cargos mais altos, com vencimentos também superiores.
Considero importante reforçar uma distinção: emprego é fonte de renda, enquanto trabalho é fonte de vida. Trabalho gera vitalidade, emprego pode muitas vezes apenas dar dinheiro;, afirma o filósofo Mario Sergio Cortella. E, quando o serviço traz essa energia, os resultados são muito melhores.
;Quem está motivado faz mais do que a obrigação, isto é, tem a obrigação como ponto de partida, e não de chegada;, completa Cortella. ;Uma pessoa que tem uma carreira da qual a alegria faz parte é uma pessoa que se deixa contagiar pela energia dos projetos em que se envolve e contagia outras com suas ideias;, continua o filósofo. Ver propósito no que se faz e identificar-se com ele é fundamental para ter energia durante o expediente.
No entanto, mostrar a serventia da atividade desempenhada por cada empregado dentro da grande engrenagem das empresas ainda não é prioridade para muitos gestores. Pesquisa da consultoria PwC (PricewaterhouseCoopers) com 1.510 funcionários de meio período e 502 chefes de 39 indústrias dos Estados Unidos revelou que, embora a prioridade de toda empresa seja o sucesso dos negócios, líderes que dão importância somente ao valor de mercado perdem a chance de gerar rendimentos ainda maiores utilizando o propósito para dar significado ao trabalho dos colaboradores.
O estudo Putting purpose to work ; a study of purpose in the workplace (Dando propósito ao trabalho ; um estudo sobre propósito no ambiente de trabalho, em tradução livre) investigou o que as companhias podem fazer para incentivar os subordinados. O levantamento revelou que 79% dos líderes acreditam que o propósito é fundamental para o sucesso comercial e a existência de uma organização; entretanto, apenas 34% usam o propósito como guia na tomada de decisões. Além disso, só 27% dos chefes ajudam os funcionários a conectarem os próprios propósitos ao trabalho da empresa.
Afinal, se as lideranças sabem da importância, porque várias não colocam isso em prática? Esse foi um dos questionamentos que motivaram o estudo, como explica Erika Braga, diretora de Recursos Humanos da PwC Brasil. ;O que nos motiva a estudar o tema é entender o que falta para que as empresas compreendam a importância disso e ajudar as pessoas a se conectarem;, completa.
O que é enxergar propósito no trabalho? Isso não envolve necessariamente uma carreira com estabilidade financeira, viagens ou prêmios todos os anos. O que conta é sentir que você está fazendo algo porque existe uma razão ; de preferência, uma importante e válida para o empregado. É uma maneira de dar sentido ao seu trabalho e entender as contribuições que está fazendo tanto para a empresa, quanto para a sociedade.
Nem sempre o líder ajudará nesse processo, então, o profissional pode agir sozinho. De acordo com Erika, há três passos que o próprio funcionário deve seguir para conseguir bons resultados na vida profissional. ;Primeiramente, deve-se entender qual o seu propósito pessoal, depois, como ele se conecta ao da organização em que está inserido e, por fim, aprender a trazer isso para o dia a dia;, aconselha.
Grau de contentamento
A pesquisa da PwC foi desenvolvida nos Estados Unidos e mostra, inclusive, que o propósito influencia diretamente os níveis de satisfação do quadro de colaboradores. No Brasil, esse cenário se repete. Por aqui, a boa notícia é que o grau de contentamento dos brasileiros com o trabalho tem crescido. Desde 2017, a Sodexo Benefícios e Incentivos faz pesquisas quantitativas para avaliar a percepção do brasileiro em relação às experiências profissionais. O último levantamento foi feito no terceiro trimestre de 2019 (julho, agosto e setembro). O estudo verificou que a percepção dos brasileiros em relação às experiências de trabalho ficou em 6,5 pontos (em uma escala de 0 a 10), representando aumento de 5% em relação ao mesmo período de 2018 (6,22 pontos). Isso pode estar relacionado ao fato de mais pessoas verem propósito no que fazem.
Claro, o contexto também influencia o resultado. Segundo o vice-presidente de Marketing da Sodexo, Fernando Cosenza, o aumento da satisfação é fruto da confiança do brasileiro no contexto geral de melhora do país. As razões incluem, por exemplo, diminuição do desemprego. Quando a pessoa sente que pode perder o emprego, não ser promovida, estagnar na mesma posição ou vê o alto desemprego, isso influencia a percepção dela. Nós entendemos que, acima de tudo, houve um aumento da perspectiva da trabalho, pontua.
Enxergar a vida profissional de forma positiva traz inúmeras vantagens. Primeiramente, a produtividade aumenta, é possível alcançar melhores resultados e, com isso, vem o reconhecimento. Quando o exercício da profissão faz bem, acaba a ansiedade para se livrar do trabalho e voltar para casa, o humor fica melhor e os momentos com família e amigos são vividos de forma mais intensa e alegre.
Consenza explica que não há porque separar o trabalho do restante da nossa existência. Precisamos entender que nossas vidas são a multiplicação da qualidade nos dois ambientes. A realização profissional é integrada ao conceito de felicidade. Não adianta dizer que é feliz em casa se não é feliz durante o seu expediente;, afirma, o que se torna mais fácil quando o empregado vê valor no que produz na empresa, enxergando um bom propósito naquilo.
Bill Moraes, vice-presidente no Brasil da empresa de treinamento e consultoria FranklinCovey, observa que o propósito no emprego faz parte da vida de pessoas felizes. Graduado em ciências da computação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pós-graduação em liderança organizacional, Bill ensina que, para chegar a esse patamar, existem quatro pontos fundamentais que merecem reflexão por parte de líderes e colaboradores: a visão de onde se quer chegar, a disciplina para transformar o plano em realidade, se existe paixão naquilo e a consciência que guiará os próximos passos. ;Sem esses quesitos, as pessoas viram vítimas do trabalho;, afirma Bill. ;Quando a satisfação não se dá pelo salário, mas, sim, pela importância do que você faz, aí você se torna uma pessoa feliz. O trabalho é quase voluntário e mais proativo quando ligado ao propósito;, compara.